Preciso realmente dessa caixinha preta entre meu celular e a tomada? Por que não posso ligar diretamente o telefone na tomada como faço com meu micro-ondas, secador de cabelo, ventilador, etc? Se todos usam eletricidade, então o que causa essa diferença? Bom, para responder essa pergunta primeiramente precisamos entender como é a energia fornecida pela tomada e como ela fica depois de passar por dentro da fonte do seu celular ou qualquer outro eletrônico que a use. Para isso vamos lembrar de alguns conceitos básicos de eletricidade aprendidos (ou não) na escola.
Os elétrons devem fluir!
Elétrons são partículas extremamente pequenas que circundam o núcleo dos átomos, que por sua vez compõem toda a matéria que existe no universo. Corrente elétrica é o fluxo de elétrons dentro de um condutor (normalmente metais) movendo-se de um ponto até outro. Esse fluxo de elétrons é responsável pelo funcionamento dos aparelhos eletrônicos, assim como o movimento da água faz girar moinhos, turbinas, irrigadores de jardim etc. Muitos erroneamente utilizam o volt (V) como unidade de medida para a corrente elétrica, mas a unidade correta de medição de corrente é o ampere (A). O volt é a unidade utilizada para medir a tensão elétrica (vulgarmente conhecida como voltagem), que na prática é a força que faz os elétrons se moverem, assim como a pressão em uma mangueira faz a água sair e irrigar o jardim. Sem pressão, sem água, sem tensão, sem corrente elétrica. Usar o volt para medir corrente elétrica é como dizer que a pressão numa mangueira é medida em litros, quando na verdade somente a quantidade de água é medida nessa unidade.
A tensão pode assumir duas polaridades distintas: positiva (+) e negativa (-). Isso basicamente serve para nos informar para qual sentido os elétrons estão sendo “empurrados” pela tensão. Se invertemos a polaridade nas pontas de um fio, onde elétrons estavam seguindo em uma direção, eles “freiam” e tomam a direção contrária. Isso é o que acontece por exemplo quando você inverte as pilhas do controle remoto da TV. Ele para de funcionar porque estava projetado para trabalhar com os elétrons seguindo em um determinado sentido e não no sentido contrário.
Corrente Vai, Corrente Volta
Existem basicamente duas formas de se fornecer energia elétrica por meio de fios: a corrente alternada (CA em português/AC em inglês) e a corrente contínua (CC em português/DC em inglês). Qual a diferença entre elas? Para explicar isso vou recorrer mais uma vez a ferramenta didática da analogia. Observe a imagem abaixo.
Observe que a imagem mostra dois tipos diferentes de serras, a da esquerda é aquela famosa serra de açougue que é usada para cortar carnes que contenham ossos. Note que essa serra possui um movimento contínuo numa mesma direção para realizar o trabalho de corte. A serra da direita é uma serra em arco manual, muito usada para trabalhos de reparo em diversas instalações por ser leve e portátil. Essa serra funciona de forma diferente, empregando um movimento de vai e vem para cortar o material. Vemos que ambas foram feitas para cortar coisas, mas o fazem de forma diferente e possuem nichos específicos de atuação.
A corrente contínua funciona como a serra de açougue, seu fluxo é em uma única direção e seu movimento se mantém contínuo, já a corrente alternada funciona como a serra em arco cujo fluxo alterna entre indas e vindas. Assim como as serras, as correntes contínua e alternada realizam o mesmo trabalho de forma diferente. Para entendermos isso melhor, vamos ver a “face” de ambos os tipos de corrente elétrica usando de simples gráficos:
Gráfico de corrente contínua, fluxo direto sem retorno:
Gráfico de corrente alternada, fluxo vai e volta:
Os eixos verticais nos gráficos representam a escala de tensão elétrica (volts) e o eixo horizontal a escala de tempo decorrido (frações de segundos), a linha azul é a tensão e as cores verde e laranja são usadas para informar o sentido da corrente em relação à tensão. No ponto central da linha vertical temos 0 volts.
Observe que no primeiro gráfico (corrente contínua) a tensão se mantem sempre na mesma polaridade (nesse caso positiva) por todo o tempo e consequentemente o fluxo elétrico se mantem no mesmo sentido, sem mudanças.
No segundo gráfico, o da corrente alternada, notamos que a tensão muda de polaridade de tempos em tempos. Ela começa em zero, “sobe a montanha verde” até o pico positivo e depois “desce o vale laranja” até o pico negativo e em seguida sobe de novo, repetindo o processo. Isso faz a corrente ir num sentido quando a tensão está na “montanha” e voltar quando ela está no “vale”. Quando a tensão está em zero volts (cruzando o eixo horizontal) os elétrons estão parados “esperando para mudar de sentido”.
O tipo de corrente elétrica disponível nas tomadas da sua casa está representada no segundo gráfico, ou seja, a corrente alternada. A corrente que sai da fonte do seu celular esta representada pelo primeiro gráfico, o da corrente contínua. Só para constar, tipicamente, no Brasil, a tensão das tomadas domésticas varia entre 127 e 220 volts.
Muitos autores técnicos afirmam que o termo correto é tensão alternada/contínua e não corrente, já que o que varia é a tensão e a corrente oscila em decorrência disso. Faz sentido, mas usei aqui o termo corrente alternada/contínua porque é o mais difundido desde o início dos sistemas de geração e distribuição de energia elétrica, construídos pelos pioneiros Thomas Edison (corrente contínua) e Nikola Tesla (corrente alternada).
Porque ir e voltar se posso somente seguir em frente?
Por que a corrente das tomadas é alternada? Bom, a resposta reside em parte no fato de que normalmente é menos custoso gerar e transmitir corrente na forma alternada do que na forma contínua. A energia elétrica em grande escala é na maioria das vezes gerada por turbinas (movidas a água, vapor, petróleo, etc) que movimentam grandes alternadores, que por sua vez geram nativamente corrente alternada. Sendo assim, converter essa corrente alternada em corrente contínua para sua transmissão seria um gasto adicional. Outra justificativa está na espessura e quantidade dos fios a serem usados no transporte da energia e também no número de estações intermediárias, muito menores no sistema CA.
Fontes, uma necessidade
A grande maioria dos eletroeletrônicos de nossas casas não precisa de toda a energia que uma tomada pode oferecer, sendo assim a primeira função de uma fonte de alimentação é a de reduzir a tensão elétrica para que o fluxo de elétrons indo pro seu dispositivo eletrônico (celular, câmera, videogame, computador) não seja tão grande a ponto de queimá-lo. A segunda função é a de converter a corrente alternada em corrente contínua, pois esses dispositivos foram projetados para utilizar corrente contínua, tornando seu projeto mais simples e barato.
Na ilustração abaixo dividi o trabalho da fonte em 4 estágios, que são etapas comuns a quase todas as fontes de alimentação.
O primeiro estágio consiste em reduzir a tensão que chega da tomada para um nível mais baixo, em consequência a corrente também será reduzida. Essa etapa é realizada por um componente chamado transformador que consiste de fios enrolados formando bobinas onde a tensão é reduzida por indução. O grande transformador no poste da sua rua usa a mesma tecnologia para reduzir a alta tensão que vem da distribuidora (de alguns milhares para 110/220 volts CA), só que em uma escala maior. Transformadores só funcionam quando aplicada corrente alternada em sua entrada, dessa forma se fosse entregue corrente contínua na rua da sua casa eles seriam inúteis para serem usados nos postes, ou para construir fontes.
O segundo estágio realiza a mudança dos “vales laranjas” do gráfico CA para as “ montanhas verdes” (o que também pode ser o contrário) colocando uma ao lado da outra, formando um tipo de cordilheira, exibida na ilustração abaixo. Desse processo resulta a chamada corrente contínua pulsante, pois mantem sempre o mesmo sentido, porém ainda possui o velho hábito de subir e descer a montanha, variando o fluxo. Esse estágio também é conhecido como retificação e quem o realiza é um componente eletrônico chamado ponte de diodos retificadores, ou simplesmente ponte retificadora.
O terceiro estágio consiste em diminuir essa pulsação deixando a tensão mais próxima de uma reta, mas ainda com ondulações leves. Nessa parte do processo quem atua é um componente chamado capacitor que funciona de forma semelhante a uma pequena bateria, armazenando carga quando a tensão sobre a “montanha” e descarregando quando ela desce, o que na prática acaba tapando os espaços vazios entre as “montanhas”. Confira o resultado disso na a ilustração abaixo:
O último estágio regula a tensão de modo a eliminar as pequenas ondulações do estágio anterior. O componente usado aqui é um tipo de diodo chamado diodo zener, ou um circuito integrado chamado regulador de tensão (que é construído usando zeners). O que essa etapa faz é “cortar” uma parte da tensão de modo a eliminar a ondulação. Por exemplo, se o pico da ondulação é de 7,5 volts, o regulador entrega 5 volts ignorando os outros 2.5 volts ondulatórios. Depois disso a tensão “limpa” da saída do regulador é entregue ao dispositivo para que ele funcione. Veja na figura abaixo que a linha vermelha representa a tensão que efetivamente será fornecida ao dispositivo eletrônico plugado na saída da fonte.
A conversão tem um preço
Um fato curioso que você já deve ter notado é que toda fonte esquenta quando em funcionamento. Isso acontece porque nem toda energia que entra na fonte é convertida corretamente. A parte que não é convertida simplesmente se torna calor devido ao efeito Joule. A quantidade de energia desperdiçada está relacionada a quantidade de corrente elétrica consumida da fonte pelo dispositivo ligado a ela (também conhecido como carga), mas no geral quanto menos calor uma fonte gera menos energia é desperdiçada no processo, tornando-a mais eficiente e ajudando a gastar um pouco menos na sua conta de luz. Fontes muito baratas normalmente não possuem uma boa eficiência por usarem componentes de mais baixa qualidade. A certificação 80 plus é uma maneira que a indústria encontrou para regulamentar a eficiência de fontes fabricadas para computadores, mas somente para computadores, pelo menos até agora.
Conclusão
Existem também fontes mais complexas e com estágios adicionais citados aqui, como estágios de proteção, monitoramento da tensão, além de outros. Um exemplo desse tipo de fonte é aquela usada em computadores.
Nem todas as fontes são externas e visíveis, muitas delas estão embutidas dentro de eletrônicos como aparelhos de som, monitores, videogames, etc. Também há os eletrodomésticos que funcionam nativamente com corrente alternada e não precisam do uso de fontes, como os ventiladores, secadores de cabelo, aquecedores, abajures, etc.
Fontes de alimentação são um assunto extenso, mas em uma visão geral o que vimos aqui é a teoria base dessa tecnologia que permite que usemos eletrônicos menores e mais baratos e que possamos recarregar baterias dos nossos gadgets, que só podem ser carregadas com CC.
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