Quando a Microsoft anunciou o Windows on ARM, posteriormente batizado do Windows RT, houve uma grande excitação nos círculos técnicos, já que o sistema poderia abrir as portas para uma grande variedade de tablets e notebooks leves e baratos, que combinariam a eficiência dos processadores ARM com a familiaridade da interface do Windows.


Inicialmente, esperava-se que a Microsoft incluísse algum tipo de camada de compatibilidade do Windows RT, para que ele pudesse rodar aplicativos x86 de legado lado a lado com os aplicativos nativos, mas a ideia foi logo descartada, em favor do uso dos dispositivos Metro, combinados com ports do Internet Explorer e do Microsoft Office, que rodam no desktop clássico.


A falta de compatibilidade com aplicativos x86 é de certa forma um mal necessário, já que rodar aplicativos escritos para outra arquitetura exigiria o uso de um software de emulação ou um software de conversão dinâmica de instruções (como o Rosetta, que a Apple usou durante a conversão dos chips PowerPC para os x86), mas ambas as alternativas possuem problemas graves. Emuladores são tipicamente muito lentos, já que precisam simular a operação de uma máquina completa via software. Os melhores emuladores oferecem geralmente em torno de 10% do desempenho nativo, o que em um processador ARM (que já oferece um desempenho bem inferior a um Core i7 ou Phenom) resultaria em um desempenho baixo demais para qualquer uso prático. O uso de uma camada de conversão dinâmica de instruções, como o Rosetta seria a melhor chance de oferecer um desempenho aceitável, já que o overhead ficaria na casa dos 50%, mas softwares deste tipo são muito difíceis e demorados de se desenvolver, o que provavelmente atrasaria o lançamento do Windows RT mais do que o esperado.

O grande problema é que a Microsoft optou por desestimular também o port de aplicativos, limitando o desenvolvimento de aplicativos nativos à sua própria equipe e alguns poucos parceiros selecionados, passando a estimular apenas o desenvolvimento de aplicativos Metro, que têm acesso a um conjunto de funções bem menor dentro do sistema e por isso tendem a oferecer uma funcionalidade mais limitada.

Do ponto de vista comercial, os aplicativos metro são mais negócio para a Microsoft, já que eles podem automaticamente rodar tanto no Windows 8 quanto do Windows RT, sem precisar de conversão e, por serem distribuídos exclusivamente através da loja da Microsoft, garantem um fluxo de caixa adicional. Entretanto, a decisão limitou muito a utilidade do sistema, especialmente em relação ao Windows 8 x86, que afinal é capaz de rodar os mesmos aplicativos Metro e também todos os aplicativos x86 nativos.

Com o lançamento do Ivy Bridge e do Atom Medfield, a Intel está bem mais preparada para disputar com os chips ARM no mercado móvel, tendo tanto um processador de baixo consumo, capaz de competir com os Cortex A9 dual-core em desempenho (o Medfield) quanto um processador mais rápido para uso em dispositivos maiores, capazes de acomodar um processador com um TDP de 17 watts (o Ivy Bridge ULV). Como a maior parte dos custos dos tablets atuais giram em torno das telas capacitivas, memória Flash e outros componentes, um aumento de US$ 50 ou 100 no custo do processador não chega a ser um aumento proibitivo. Os fabricantes passaram então a preferir usar chips da Intel, criando tablets e notebooks conversíveis "completos", capazes de rodar o Windows 8 e todos os aplicativos x86, em vez de desenvolverem tablets ARM um pouco mais baratos, porém limitados aos aplicativos Metro. Isso explica a fartura de tablets e conversíveis com o Windows 8 e chips Intel na Computex, em contraste com o punhado de modelos com chips ARM.


Como se não bastasse, a Microsoft tornou mandatório o uso do UEFI nos dispositivos Windows RT, que não podem oferecer a opção de desabilitar o secure boot. Isso trouxe mais uma limitação para a plataforma, já que os tablets e outros dispositivos baseados no sistema estão condenados a rodarem apenas o Windows RT (a menos que alguém encontre uma brecha no secure boot, que permita bipassar o sistema), enquanto os dispositivos x86 com o Windows 8 ficam livres para rodar o Ubuntu e outras distribuições Linux, bem como outros sistemas operacionais, a gosto do usuário.

Todas estas limitações já sugerem que a Microsoft está ao mínimo com pouca vontade de popularizar o Windows RT, preferindo manter a histórica parceria com a Intel e alavancar as vendas do Windows 8. Entretanto, a história não para por aí.

Enquanto o Android é basicamente gratuito e o Windows Phone 7 custa US$ 30 por dispositivo, a Microsoft está cobrando estratosféricos US$ 85 por cada licença do Windows RT, mais caro até mesmo que o Windows 7, que é licenciado por cerca de US$ 50 para os fabricantes.

A lógica da Microsoft parece girar em torno da ideia de que o Windows RT já vem com uma versão funcional do Office e que por isso deve custar mais caro, mas na prática este valor, combinado com todas as outras limitações que expus nos parágrafos anteriores, vão minar a viabilidade do sistema a ponto de torná-lo irrelevante, servindo apenas como um coadjuvante a assistir o crescimento dos tablets x86 com o Windows 8. Quem estava esperando um admirável mundo novo, com tablets e notebooks baratos, com o Windows RT pode tratar de acordar, pois caso realmente cheguem com alguma força ao mercado, os tablets com o Windows RT custarão na casa dos US$ 600, bem mais caros inclusive que o iPad v3.

Os tablets com o Windows 8 também ficarão limitados ao mercado high-end, já que a combinação dos processadores Intel com as licenças do Windows, juntamente com o uso de telas capacitivas e unidades de armazenamento de estado sólido, também farão com que os preços comecem a partir da casa dos US$ 600, com muitos modelos ultrapassando a casa dos US$ 1000.

Em outras palavras, a última coisa que o Windows 8 fará será contribuir com a popularização dos tablets, notebooks e smartbooks, já que eles na verdade tendem a ficarem mais caros, o que pode ser bom para a Microsoft e a Intel, mas não necessariamente bom para os consumidores.

Os dispositivos low-end, bem como projetos de inclusão, como o Raspberry Pi e o VIA APC continuarão orbitando em torno do Android e distribuições Linux, sistemas que oferecem a flexibilidade necessária para o desenvolvimento de dispositivos mais flexíveis e baratos. Caso eles realmente cresçam nos próximos anos, a ponto de começarem a ameaçar o reinado dos PCs, a Microsoft pode acabar perdendo o bonde da história, arrependendo-se mais tarde por desperdiçar sua chance de popularizar o Windows RT e capitalizar em cima do crescimento dos dispositivos ARM.

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