Se a concorrência contra a Intel não existisse, como seria o mundo da computação pessoal? Como já devem saber, a arquitetura de processadores x86 domina este cenário, onde aproximadamente 80% das CPUs vendidas são fabricadas pela Intel (proprietária do set de instruções x86) e que representa 4/5 de todo o mercado! Entretanto, a gigante de Sunnyvale enfrenta com vigor uma pequena concorrente chamada AMD, que embora não represente uma grande ameaça aos seus negócios, ainda lhe rende muitas dores de cabeça...
Pois bem: se não fosse graças a AMD em abocanhar uma pequena – mas significante – fatia de mercado, nós teríamos de imediato, duas grandes mudanças neste cenário: a primeira (e mais óbvia) seria o alto custo de seus produtos (processadores); a segunda (também óbvia) seria o lento processo de desenvolvimento e evolução de seus projetos. Embora estas fossem as duas principais mudanças “de imediato”, uma série de transformações seriam desencadeadas através destes fatores, os quais mudariam completamente o cenário atual que nos encontramos...
Uma vez que não existiriam mercados segmentados de forma distinta para serem ocupados, acredito que a Intel não iria desenvolver produtos para compor as classes entry-level e (talvez) a mainstream. Provavelmente, ela se concentraria exclusivamente no desenvolvimento de novas CPUs para o alto desempenho, deixando os projetos anteriores ocuparem as demais faixas. No máximo, ela classificaria as CPUs através da sua velocidade de clock (das mais lentas às mais velozes), que por sua vez teriam poucas variações (tal como era feito antigamente). Mesmo assim, talvez fosse provável que até mesmo a classe entry-level deixasse de existir (tal como a conhecemos), uma vez que a ausência de concorrência aumentaria consideravelmente os preços, a ponto de não existirem CPUs baratas.
Já imaginou um cenário onde as pessoas de maior poder aquisitivo comprariam caros PCs desktops, com CPUs modernas equivalentes aos Core i7, ao passo que os menos afortunados teriam que se contentar em adquirir computadores como os Core2Duo ou até mesmo os antigos Pentium D? Ou ainda, ter que comprar notebooks baseados em processadores como o antigo Pentium-M? Seria mais interessante ainda saber que, por muitos não terem condições de comprar um novo PC desktop, teriam que adquirir uma máquina de segunda mão a custos exorbitantes, baseadas em antigas CPUs Pentium 4 ou até mesmo se virando com os Pentium 3 que “durassem o suficiente” para isto? Isto, se partirmos do princípio de que a evolução seria retardara por uns 5 anos ou mais...
Se as classes de CPUs existentes fossem delimitadas pela velocidade (clock), eis outra grande mudança neste cenário: a dificuldade ou até mesmo a impossibilidade de realizar overclocks nas CPUs, através do ajuste da velocidade do barramento FSB ou outras técnicas, que passariam a ser coibidas de todas as formas possíveis pela Intel. Obviamente, não seria interessante para a Intel permitir que CPUs de baixa velocidade fossem overclocados para concorrer com as suas CPUs de média e alta performance. Por exemplo, existem certos modelos de CPUs Core2Duo que, embora tenham a frequência padrão de 2.0 GHz, podem perfeitamente alcançar valores próximos de 3.0 GHz, o que equivale a até 50% a mais em desempenho bruto! Já imaginou a vida dos entusiastas, caso estes não pudessem mais dar um valor à mais em seus investimentos?
Por fim, a manufatura dos processadores também sofreriam grandes mudanças, com a ausência da concorrência. Como sabem, a Intel se “auto-impôs” um cronograma de desenvolvimento avançado chamado “Tick-Tock”, onde a cada ano ela realiza um grande lançamento, alternando entre uma nova arquitetura de processadores (que deixariam de existir) e o refinamento dos processo referentes à fabricação das suas CPUs (litografia). Graças à capacidade de colocar mais transistores em uma minúscula pastília de silício (die), a Intel não só pode economizar na produção das CPUs por waffer de silício (embora tenha que enfrentar os altos custos na construção das fábricas), como também estar um passo adiante da concorrência. Mas em nosso cenário fictício, se a concorrência não existisse... ;-)
Uma vez que as máquinas mais modernas não fossem tão potentes assim, eis a próxima transformação deste cenário hipotético: os desenvolvedores de sistemas operacionais seriam obrigados a conceberem as novas versões, de forma a economizar o máximo de recursos possíveis e que ainda fossem retro-compatíveis com tecnologias antigas. Ao invés de sistemas que requisitassem gigabytes de memória RAM e outros recursos computacionais, ainda estaríamos revolucionando as interfaces básicas e leves, onde a simplicidade e a flexibilidade de uso seriam os fatores preponderantes para o seu desenvolvimento. O Aero (Windows Vista/7) e o Compiz (GNU/Linux) certamente não seriam bem aquilo o que são hoje.
No entanto, talvez a maior das mudanças aconteceria para a Apple: até 2004, os seus desktops Macintosh eram baseados nas CPUs PowerPC, uma arquitetura de processadores RISC que oferecem um alto nível de desempenho, se comparadas com as soluções da Intel. Mas, por uma decisão estratégica, a grande maçã resolveu migrar a sua plataforma-base para a arquitetura x86, baseando os seus produtos nas novas e poderosas CPUs Core2Duo. Bem, sabemos perfeitamente que estas CPUs nasceram em virtude da forte concorrência do Athlon64; mas, se o produto da AMD não existisse, o que poderia acontecer (ou o que NÃO poderia acontecer)?
As unidades gráficas também sofreriam profundas mudanças. Uma vez que a grande maioria (para não dizer todos) dos IGPs desenvolvidos da Intel oferecem uma performance medíocre, não seria difícil imaginar a oferta de uma série de produtos voltados para oferecer o melhor desempenho gráfico possível. De placas-mãe simples com o suporte a excelentes IGPs a poderosas soluções com vários slots PCI-Express suportando diferentes modos para combinar o poder das placas de vídeo de alto desempenho, os PCs desktops deste cenário fictício seriam bem diferenciados! Ou talvez não; se os usuários destes tempos não forem jogadores entusiastas, provavelmente se sentiriam satisfeitos com o baixo desempenho dos IGPs da Intel. Possivelmente, veríamos a sua cota de unidades gráficas crescer ainda mais...
Então, uma forma interessante de aumentar o desempenho geral destes sistemas – sem pagar por CPUs poderosas mas de altíssimos custos – seria a adoção de novas tecnologias que aproveitassem ao máximo, o desempenho das unidades gráficas (as GPUs) na execução de aplicações gerais. Conhecemos estas tecnologias através da sigla GPGPU – General-Purpose computing on Graphics Processing Units – onde APIs e padrões como a OpenCL (aberta) e a CUDA (nVidia) estão definindo os novos rumos deste cenário. Neste cenário proposto pelo artigo, certamente veríamos o desenvolvimento, a implementação e a adoção destas tecnologias em um estágio bem mais avançado, se comparado com o que temos na realidade.
Mas, talvez as maiores mudanças estariam na disputa das arquiteturas x86 e ARM na área dos dispositivos móveis. Se na vida real a Intel mal consegue incomodar a ARM Holdings e as suas parceiras, o quanto mais seria neste cenário hipotético. Além do mais, poderíamos ver situações interessantes, como os smartbooks enfrentando vigorosamente os netbooks, por oferecerem uma relação consumo/desempenho muito superior. Além da Intel não conseguir atacar a ARM em seu próprio campo de atuação, também veríamos o contrário: a concepção de simples PCs desktops (smarttops?) com poder de processamento limitado, mas baratos e baixíssimo consumo, enfrentando os PCs desktops tradicionais “de entrada”, baseados em CPUs x86 antigas!
Então, a Intel seria obrigada a desenvolver as CPUs Atom (e nada pior que conceber algo por obrigação ao invés de interesse próprio para inovar); mas, dado ao lento avanço de suas tecnologias (já que não existiriam as concorrentes ameaçando-a para “impulsioná-las”), estas CPUs de baixo consumo certamente não teriam uma base tecnológica suficientemente avançada, para se tornarem aquilo o que são na vida real. Possivelmente, ainda estaríamos utilizando versões otimizadas de Celerons, que sequer seriam tão econômicos e versáteis o quanto a linha de CPUs Celeron-M, que equiparam os primeiros netbooks que chegaram no mercado!
Felizmente, a concorrência existe! Embora alguns fanboys da Intel não vejam as suas vantagens, eles não deveriam deixar de considerar a importância da concorrência. Graças à ela, a sua empresa preferida é obrigada a dispor de linhas de entrada e baixo-custo, dos produtos que tanto admiram e “defendem” ardorosamente! Idem para o outro lado: se não fosse a existência da Intel, não teríamos concorrentes que oferecessem interessantes CPUs a baixíssimos custos.
E quais seriam as outras situações que poderíamos encontrar neste tenebroso cenário hipotético (afinal de contas, não há nada pior para os consumidores que a ausência de concorrência)? Deixo para os leitores, o agradável exercício de realizar novas previsões.
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